Litmus foi um momento decisivo na cinematografia do surf dos anos ’90 – semeou uma visão livre do surf que ainda brilha de forma incandescente hoje em dia.
Litmus, criado pelo diretor de cinema australiano Andrew Kidman, com o cineasta John Frank e o artista Mark Sutherland, despoletou uma revolução estética na cultura do surf. Filmado na Austrália, África do Sul, Irlanda, Califórnia e Havai, com o guru do shape Derek Hynd e o icónico surfista e shaper Wayne Lynch (contando ainda com as presenças de Tom Curren e Miki Dora), o filme, lançado em 1996, foi uma ruptura completa com o ethos da época, então virado para o poder e a radicalidade na onda. Litmus ajudou a sacudir o mundo do surf, despertando-o para o facto do surf fluído e com estilo não ter desaparecido com o advento das pranchas de três quilhas e lembrando que o ato de surfar é muito mais rico do que um conjunto de clichês comerciais.
O filme espelhou a essência daquilo a que se pode chamar de escola de surf “retro-progressiva”, revelando o que de vanguardista estava a ser feito por um distinto grupo de surfistas, que passou a ser conhecido em todo o mundo.
De acordo com Kidman, “originalmente o cineasta John Frank e eu só queríamos fazer um filme que mostrasse o quão bem continuavam a surfar o Wayne Lynch e o Derek Hynd aos quarenta anos, e como o foram conseguindo através do design de pranchas. Outras coisas aconteceram entretanto, como as ondas na Irlanda. Colocámos o tempo nos objetos e lugares até que sentimos que os tínhamos representado de forma honesta.”
O filme evocou um tipo de surf que pouco tinha a ver com o que era apresentado no marketing da indústria do surf como modo de vida elementar de um culto juvenil . Se o surf fosse um culto, as lentes de Litmus apresentaram-nos a eterna juventude, acessível a um leque imenso de surfistas, bem como todo o potencial hidrodinâmico do universo das pranchas de surf. Para além desta nova abordagem criativa, Kidman mostrou pela primeira vez às massas as ondas frias, poderosas e de grande qualidade da Irlanda. Deslindou, ainda, a influência da genealogia na evolução do surf focando-se em Joel, filho de Terry Fitzgerald, que carrega consigo um estilo que une gerações. Com a inclusão da abordagem suave e iluminada à ação por parte de John Frank, a animação de Mark Sutherland, “Dream”, uma banda sonora original dos Val Dusty Experiment (Kidman, Frank e Sutherland), e uma mensagem opinativa sem complexos, o filme tocou no nervo de uma geração de surfistas alineados pelo modo como a sua paixão era representada pelos media do surf.
Hoje em dia, se os surfistas podem surfar com um incrível leque de pranchas e serem respeitados por isso, muito devem à exploração de possibilidades que Kidman abordou. Mas a influência que mais perdurou deste filme continua a ser o ambiente desassombrado, o espírito positivo e a abordagem introspectiva que Andrew teve ao fazer um filme sobre surf. A missão derradeira de Kidman era a de mostrar a beleza inigualável de que os surfistas são testemunhas e herdeiros. “Não estávamos a tentar mudar o mundo quando fizemos o Litmus”, refere Andrew. “Estávamos apenas a mostrar o quão magnífico é aquilo em que estamos envolvidos. Quando vamos para o mar, envolvidos por uma força insondável, é-nos dada uma oportunidade imensa para ver como o mundo funciona. É natural e evidente que tenhamos que absorver o que vivemos e refletir sobre isso.”
Apaixonado e contemplativo em igual medida, Litmus ajudou a iniciar uma nova era na cultura do surf.
– Michael Fordham